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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

As crônicas de Iniamar - capítulo 2



Demi não respondeu, porque o que Haryn tinha dito não fazia o menor sentido. Como poderiam estar todos mortos? Era apenas um incêndio que havia acabado de começar e claro que poderiam avisar as pessoas.
– O que você está falando? O fogo começou agora!
– O fogo é só uma distração, já estão todos mortos. Devíamos ter saído de Buruma quando vocês voltaram do pavilhão, fui um idiota. Vamos!
É claro que ele era um idiota, essa era a única coisa que Demi entendia e concordava de tudo o que ele estava falando, mas ela não entendia o que ouvia, ou não queria acreditar.
– Do que você está falando? Por que temos que fugir? – E então se lembrou de Josh e seu torpor momentâneo se transformou em desespero. – Josh! – Gritou, enquanto tentava correr de volta para a aldeia. Haryn a segurou enquanto ela esperneava e tentava morde-lo. – Me solte, seu idiota, me solte! Josh!
– Josh não está lá, ele está bem, não está na aldeia.
Demi não prestava atenção e continuava a gritar. Haryn teve que sacudi-la e também gritar.
– Demi, pare! Josh não está lá, ele está bem! E você precisa falar mais baixo e continuar andando.
Demi olhou-o como se o visse pela primeira vez. Parou de se debater e olhou para o fogo.
– Ethan...
– Eu avisei-o para tentar tirar o maior número de pessoas que conseguisse da aldeia, não sei onde está agora, mas acho que não está lá. Mas as pessoas que estavam na aldeia estão todas mortas. Eles não deixam sobreviventes.
– Quem são eles?
– Precisamos ir andando, quando estivermos longe daqui eu explico, vamos.
Demi ainda estava em estado de choque e foi só quando andaram alguns metros que viu Aisni sentada no chão, em prantos. Foi então que se deu conta de que provavelmente a família da amiga estava morta. E se ela não tivesse passado a noite em sua casa também estaria. Demi não sabia o que dizer, apenas se ajoelhou e abraçou a amiga.
Haryn se virou mais uma vez.
– Precisamos ir, meninas. Eu sinto muito, Aisni, não podia fazer nada, de outro modo eu teria salvado sua família.
Aisni olhou-o, mas seu olhar estava vazio de significado e cheio de lágrimas. Podia ser incredulidade ou compreensão, Haryn não saberia dizer. Mas o olhar de Demi era de desconfiança e raiva. Tinha certeza de que Haryn estava mentindo, se não sobre tudo, pelo menos sobre a família de Aisni. Lembrava-se de que ele queria deixá-la para trás, só não imaginava que seria para morrer. Haryn a olhava.
– Vamos, Demi. Precisamos ir agora ou morreremos também e Josh jamais me perdoaria. Vamos.
Demetria se levantou e amparou Aisni, depois disso começaram a andar em direção ao sul.
– Por que Josh partiu e me deixou para trás? – Perguntou Demi.
– Porque ele sabia que eu a protegeria. – E antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele completou. – Ele confia em mim.
Demi não respondeu. Ainda não se conformava com o fato de Josh gostar tanto de Haryn.
Artur convidou Aisni para montá-lo por um tempo, já que a menina parecia não conseguir se mover. Eles andaram por muito tempo e quando Haryn permitiu que parassem para comer alguma coisa, perto de um riacho, o céu já começava a clarear.
– O dia hoje vai ser quente. – Disse Haryn.
– E como é que você pode saber isso? – Demi não estava disposta a começar a ser simpática com ele só porque ele agora usava seu nome ao invés de chama-la de pirralha.
– Experiência.
– Experiência? Experiência em quê? A única coisa que você sabe fazer é beber e me atormentar.
Haryn não respondeu. Artie, Bernie e Aisni se afastaram para pegar água no riacho.
– Para onde você está levando a gente? O que aconteceu na aldeia? Quem matou aquelas pessoas e por quê? Foram os mercadores? O que tudo isso tem a ver com a versão do ritual?
– Não posso falar de nada disso ainda, Demi.
– Demi? Desde quando eu sou Demi para você? Não sou uma pirralha?
– Sim! É exatamente o que você é. – Disse Haryn irritado. – Não sei por que pensei que você poderia ser madura o suficiente para entender uma situação de extremo perigo. Se o seu nome a ofende tanto assim, talvez você realmente não o mereça. E se agrada a senhorita – disse se curvando – não o usarei mais. Na verdade, vamos combinar o seguinte: eu não me dirijo mais a você.
– Ótimo! Pelo menos uma boa notícia! – Disse Demi tentando parecer feliz, mas na verdade só estava se sentindo pior. Sentia falta de Josh e de Ethan e nem ao menos tinha certeza se eles ainda estavam vivos.
Haryn estava no riacho, lavando as mãos e o rosto, como se nada tivesse acontecido e já falava com Artur.
– Artie, precisamos encontrar um lugar para passarmos alguns dias, mas não tão perto da aldeia. Depois de mais um dia de caminhada, precisarei de sua ajuda.
– Sem problemas.
Haryn assentiu.
– E, Bernie, vou precisar de sua ajuda desde já. Quero que fique de olhos e focinho bem abertos, qualquer mudança no ar, me avise.
– Pode deixar.
– Não vamos descansar ainda. Vamos comer alguma coisa e já partimos. Encham os cantis, pois embora pretenda seguir o riacho, não sei se isso será possível por muito tempo. Essa floresta fica estranha mais a leste e não quero entrar mais do que o necessário nela.
– Não vou continuar, quero descansar agora – disse Demi.
Haryn fingiu não ter ouvido e Bernie olhou-a com desaprovação e fez um sinal negativo com a cabeça, quase imperceptível. Demi abaixou os olhos e quis chorar, mas se segurou. Odiava ser repreendida pelos amigos. Mas imaginava que teria que ceder. Por mais que quisesse irritar Haryn, a situação não parecia aceitar brincadeiras e teimosias.
Demi ainda não acreditava, na verdade, que todos em Buruma estivessem mortos. Haryn havia falado, sim, mas ele poderia estar enganado. Mas Bernie e Artie pareciam muito preocupados e Demi nunca havia visto os amigos assim, então acreditava que alguma coisa grave devia estar mesmo acontecendo. Tinha decidido não falar mais com Haryn; se ele preferia ignorá-la, melhor para ela.
Andaram a manhã toda entre árvores ralas, contornando a borda da floresta, e depois de algumas horas o riacho se virou para o sul e não podia mais ser visto; mas durante algumas horas ainda podiam ouvir o som da água borbulhando à direita. O sol estava quente e, embora Artie e Bernie estivessem carregando a bagagem das meninas para que elas não se cansassem tanto, elas estavam exaustas. Demi caiu duas vezes, não conseguindo fazer suas pernas obedecerem a sua vontade, afinal não estava acostumada a andar por tanto tempo assim, mas estava decidida a não dizer uma palavra. Haryn ignorava completamente o sofrimento da menina e só quando Aisni caiu de joelhos ele propôs uma parada para descansarem à sombra de uma faia.
Quando se sentaram, Demi pegou alguns pedaços de carne seca e dividiu com a amiga, que não quis comer. A menina não falava nada desde quando partiram da aldeia. Ela encostou-se na árvore e ficou olhando para a floresta. Artie, Bernie e Haryn tinham trazido sua própria comida, por isso Demi não se importou em oferecer. Seus pés estavam vermelhos e empoeirados. Tinha pegado o sapato mais confortável que possuía, mas ainda assim ele não era adequado para uma caminhada tão longa.
Bernie comeu apressadamente e se afastou um pouco, farejando o ar. Demi estava tão cansada que poderia dormir e, esquecendo sua briga com Haryn, pegou-se olhando para ele e pensando o que será que ele fazia quando estava longe da aldeia. Ele parecia diferente agora, não sabia como. Seu cabelo escuro continuava embaraçado e sujo e suas roupas de couro negro ainda eram as mesmas, mas havia algo de diferente, estava mais sério e pensativo. Seus olhos verde-acinzentados fitavam o horizonte à frente e parecia não notar o olhar da menina. Demi ia lhe fazer perguntas, quando se lembrou de que ele a estava ignorando e se sentiu irritada novamente. Nesse momento Bernie voltou e chamou Haryn, que se levantou apressadamente e trocou palavras urgentes com o urso.
– Precisamos ir. Agora – ele se dirigia a Aisni. – Vamos, criança, prometo que esta noite você poderá dormir e descansar, mas não agora.
Aisni se levantou sem dizer nenhuma palavra e seguiu-o. Demetria, se sentindo completamente ignorada, também o seguiu, mas estava cada vez mais difícil controlar a raiva e as lágrimas. Não gostava de Haryn, mas ser ignorada era extremamente irritante.
– Vamos ter que entrar na floresta. Não era a rota que planejava, mas é o mais seguro agora. Não viajei muito por estas terras, mas há histórias... não sei se prefiro que sejam verdadeiras ou não. Mas ao menos teremos mais sombra.
Quando começaram a andar entre as árvores, Demi diminuiu o passo para ficar para trás e deixou as lágrimas correrem, esperando que ninguém olhasse para trás. Mas Haryn não se importaria em virar-se e Bernie e Artie seguiam lado a lado, vigiando por entre as árvores que se adensavam. Aisni estava afogada em sua própria tristeza e Demi se sentiu segura em deixar toda a raiva e a tristeza sair. Não sabia por que chorava e não queria saber, só chorava. Depois de um tempo as lágrimas acabaram e tudo o que restou foi o calor e o cansaço.
Na parte da floresta em que estavam agora, as árvores formavam um teto verde. Não andavam sob o sol, mas o lugar era abafado e quente. Demi não tinha ideia de que horas eram, mas imaginava que o dia estava avançado, pois não via mais o sol sobre as árvores. Estava muito cansada e começou a tropeçar em raízes. Trançou seu emaranhado de cabelos para ver se diminuía o calor, mas sua cabeça doía e começou a ouvir vozes que a chamavam, mas ninguém falava com ela. Fechou os olhos por um momento, para tentar esquecer o cansaço, e não conseguiu mais abri-los.

Bernie segurou-a antes que caísse no chão.
– Demi. Demi! – Ela não acordou.
Todos pararam e voltaram, mas Haryn se sentou em uma raiz e tomou um gole de água, parecendo não se importar. Provavelmente uma cena para chamar atenção.
– Haryn, ela não está acordando – Disse Bernie.
– Vai acordar logo.
– Pelos céus, Haryn! Você também vai teimar como uma criança? Josh o designou para protegê-la e é assim que você se comporta? – Bernardo parecia ter perdido as estribeiras com o comportamento do amigo. – Esqueceu a gravidade da situação?
Haryn não respondeu, mas depois de alguns segundos levantou-se e foi até Demi. Checou seu pulso e sua respiração. Aisni observava tudo, mas não participava. Artie e Bernie pareciam muito preocupados.
– Ela desmaiou, provavelmente de cansaço e calor – disse Haryn como se informasse que vai chover.
– Então temos que parar.
– Não podemos. Não aqui.
– E o que você sugere?
Haryn olhou em volta.
– Precisamos andar pelo menos mais algumas horas, duas ou três, e depois podemos descansar.
– Espere um minuto. – Era a voz de Aisni. Ela veio até Demi e passou um pouco de água em seus pulsos e em sua testa.
– Eu a carrego – disse Bernie. Haryn já estava andando.
Continuaram andando por mais duas horas e todos estavam em silêncio. Artie estava prestando atenção nas redondezas, quase não havia mais claridade e era difícil enxergar as armadilhas da floresta.
Haryn veio até Bernie.
– Precisa de ajuda? Quer que eu a carregue?
– Não precisa.
– Me desculpe por me comportar daquela maneira, mas essa menina me tira do sério.
– Bem, você procurou, por vinte e um anos. O que esperava agora? – Bernie estava mais calmo agora.
– Foi mesmo – concordou Haryn, sorrindo. Depois de algum tempo caminhando em silêncio, ele disse: – Ela vai ficar bem. E vamos ter mais cuidado daqui para frente para isso não acontecer mais. Estamos cada vez mais longe da aldeia e estamos na floresta, eles não ousariam entrar aqui. Podemos seguir com uma caminhada mais moderada daqui para frente.
Bernie assentiu.
– Estamos quase chegando a um lugar que, acredito, poderemos passar a noite. Mais uns vinte minutos de caminhada – disse Haryn.
– Tudo bem.
Depois de caminharem por mais dois quartos de hora, chegaram a um grande carvalho em uma quase clareira na floresta.
– Vamos passar a noite aqui – disse Haryn. – Vou tentar fazer um lugar confortável para as meninas perto daquela raiz.
Haryn juntou algumas folhas próximo ao tronco, onde duas raízes se bifurcavam. Artie emprestou uma de suas capas para colocar sobre as folhas e Bernie deitou Demi na cama improvisada, usando uma das trouxas de roupa como travesseiro. Aisni deitou ao lado da amiga e pareceu adormecer imediatamente.
Mas ela não estava dormindo. Na verdade estava pensando em tudo que ouvira e acontecera até agora. Seus pais e irmãos estavam mortos. Seus amigos estavam mortos e talvez até mesmo Bunn. E ela estava viva. Não sabia se estava feliz ou não por isso, talvez se tivesse morrido com todos os outros, estaria em paz. Mas se estava viva, devia ter algum motivo e não ficaria de luto pelo resto da vida. Havia chorado por todos e sentia muito a falta da família, mas naquela noite decidiu que tentaria ser mais útil na viagem, embora não soubesse em que poderia ajudar. Mas Haryn, Artie e Bernie estavam tentando protege-la, a ela e à Demi, e devia ser grata a isso. Com esses pensamentos e muitos outros, finalmente adormeceu.

Haryn, Artie e Bernie não estavam dormindo, estavam conversando e trocando impressões sobre o caminho até ali. Artie dizia estar sentindo uma presença estranha, que não conseguia identificar, mas era forte e diferente de qualquer coisa que conhecera.
– Não são os homens da floresta. Mesmo tendo pouco contato com eles, reconheço sua presença – disse Artie.
– Também sinto isso e acho que posso ter uma ideia do que seja, mas prefiro não dizer nada ainda. É muito improvável. Se for o que penso, não teremos motivo de preocupação, eu espero. São tempos estranhos – disse Bernie.
– Amanhã pretendo fazer um reconhecimento de parte dessa área. Não quero arriscar levar as meninas para um perigo do qual eu não possa tirá-las. Artur, eu gostaria que viesse comigo e, se não se importar, talvez precise montá-lo por um tempo, enquanto isso Bernie fica e toma conta das meninas.
– Claro, não há problemas.
– Então acho que vocês deviam descansar – disse Bernie. – Eu fico de guarda.
– Mas não a noite toda, você também precisa descansar.
– Não se preocupem, não preciso dormir. Podem descansar à vontade, sentarei perto da árvore e montarei guarda durante a noite. Não faremos fogueira, a noite está quente e podemos comer alimentos frios. Não creio que as meninas vão acordar tão cedo – disse Haryn.
– Tem certeza de que não quer dormir?
– Tenho.
– Se precisar pode nos acordar a qualquer momento.
– Farei isso.
– Você acha que Demi está bem? – Perguntou Artie.
Haryn olhou em direção à menina adormecida.
– Imagino que sim. – Ficou pensativo por alguns momentos e depois completou: – De qualquer maneira tenho algumas ervas que trouxe comigo e que aliviam o cansaço, quando a manhã chegar farei uma infusão para ela, mas não agora, o fogo chamaria muita atenção.
– Muito bem. Até amanhã, então.
– Boa noite, amigos.
Artie se aproximou da árvore e fechou os olhos. Bernie se aconchegou também próximo à árvore e adormeceu, enquanto Haryn ia até uma árvore que circundava a quase clareira e se encostava para ter uma visão completa dos amigos que dormiam. Estava cansado, mas não com sono, e pensou por muito tempo o que faria para manter todos a salvo até que encontrassem Josh novamente. E pensava também em tudo que poderia acontecer até lá. Imaginou se Ethan teria conseguido sair da aldeia e se alguém o acompanhara, mas não esperava encontra-lo logo, já que o aconselhara a não ir para aquela floresta. Talvez o encontrasse além dela. Ainda não sabia o que o levara a procura-lo e avisa-lo do perigo. Olhou para Demi, adormecida, e pensou no quanto essa garota lhe infernizava a vida e, no entanto, ali estava ele, preocupado com seu destino e sua felicidade, apesar de tudo. Mas afastou esses pensamentos logo, sabia que não o levariam a lugar nenhum e passou a pensar na rota mais curta e segura para as montanhas e, assim, a noite passou.
Um pouco antes de o sol nascer, o céu já estava claro e Demi acordou de repente, sem saber onde estava. Viu Aisni deitada ao seu lado, ainda dormindo, e olhou em volta. Artie e Bernie estavam adormecidos também, mas não Haryn. Ele estava de frente para uma pequena fogueira e amassava alguma coisa em uma tigela sobre as chamas. Demi se levantou e se sentiu tonta, tendo que se apoiar na árvore. Haryn levantou os olhos para ela.
– Devia ficar deitada.
Antes de pensar, Demi respondeu:
– Está falando comigo agora?
Dessa vez Haryn não disse nada e Demi pensou que talvez devesse deixar para lá. Preferia ter Haryn para descontar sua raiva do que ele ignorando-a. Como sinal de reconciliação, sentou-se novamente.
– O que aconteceu?
– Você desmaiou.
– Aqui? Não me lembro desse lugar.
– Não aqui. – Haryn continuava a sua tarefa e um cheiro refrescante alcançava Demi.
– Você me carregou? – Perguntou Demi, incrédula.
– Não eu, pirralha. Bernie.
Demi se sentiu um pouco melhor ao reconhecer o velho Haryn ali.
– E o que você está fazendo?
Dessa vez ele não respondeu, mas levantou-se e veio em direção a ela, trazendo a tigela.
– Deixe isso aqui perto de você e Aisni. São ervas para diminuir o cansaço. E descanse bastante, não queremos ter que carregar você durante toda a viagem.
Demi pegou a tigela e colocou aos seus pés. Depois de pensar por um minuto se devia perguntar ou não, disse:
– E para onde estamos indo?
– Para as montanhas.
Antes que Demi pudesse perguntar qualquer outra coisa, Artie e Bernie começaram a se espreguiçar. A menina achou engraçado o fato de os amigos acordarem juntos; eles sempre faziam isso quando estavam no galpão no fundo da taberna.
– Demi! Você está bem? – Perguntou Bernie.
– Sim, estou.
– Nossa, você nos deu um susto ontem.
– Me desculpem.
– Não precisa se desculpar, cabelo de fogo – disse Bernie fazendo bagunça em seu cabelo com a pata, enquanto Artie encostava o focinho em seu nariz.
Haryn estava de volta a sua árvore e comia alguma coisa.
– Artie, pretendo sair em alguns minutos. Você precisa comer alguma coisa antes? – Disse Haryn.
– Não, estou sem fome. Só preciso de um pouco de água.
Demi ajudou a colocar um pouco de água para Artie em sua bacia de viagem e ele tomou tudo; depois disso, Haryn pediu licença pra montá-lo e saíram rapidamente.
– Onde eles foram? – Perguntou Demi a Bernie.
– Foram dar uma olhada no caminho e ver que rota nós devemos tomar, provavelmente teremos o dia todo para descansar.
Enquanto comiam alguma coisa, Aisni acordou e olhou para eles. Seus olhos ainda estavam um pouco vermelho de tanto chorar, mas ela sorriu.
– Você está melhor, Aisni? – Perguntou Demi estendendo a mão para a amiga.
– Sim, um pouco melhor, obrigada – disse.
– Venha comer com a gente – convidou Bernie.
E assim os três passaram a manhã comendo, conversando, descansando e tentando esquecer o que havia acontecido. Por volta do meio-dia comeram novamente. Bernie estava encostado na árvore, com uma das meninas de cada lado, quando Aisni perguntou:
– Você tem alguma ideia do que aconteceu, Bernie? Sabe por que todos foram mortos?
– Não, criança, desculpe. Eu não sei. – E abaixou a cabeça. Demi nunca vira Bernie chorar, e não viu agora, mas havia uma tristeza profunda em seus olhos quando a olhou.
– Eu ainda tenho esperança de que Bunn conseguiu escapar com Ethan e talvez até mesmo alguém da minha família – disse Aisni. – Mas sei que não posso me iludir com esperanças sem fundamento, é só que... como Haryn disse que avisou Ethan, talvez... seja possível. – Seus olhos estavam marejados novamente. Bernie e Demi a olharam com tristeza.
– Não se preocupem, eu estou bem. Vai passar.
Depois disso, eles mudaram de assunto e passaram a falar do lugar onde estavam e para onde iriam.
– Haryn disse que vamos para as montanhas. Mas que montanhas seriam essas?
– Não sei. Pode ser qualquer uma das grandes cordilheiras, não? Ele não compartilha todos os seus planos comigo – disse Bernie.
– Acho que deve ser bonito ver as grandes cordilheiras – disse Aisni.
E todos ficaram em silêncio pensando nas altas montanhas que poderiam encontrar.
Aisni e Demi adormeceram encostadas em Bernie e só acordaram quando a noite já havia caído.
– Eles ainda não voltaram – observou Aisni.
– Não. E estou começando a me preocupar – disse Bernie.
– O que faremos se eles não voltarem? – Perguntou Demi assustada. Nem havia pensado na possibilidade de se afastar de Artie, ou até mesmo de Haryn, que parecia saber aonde ir para encontrar Josh.
– Eles vão voltar – afirmou Bernie.
Passaram-se pelo menos duas horas antes de ouvirem cascos entre as árvores, mas não eram cascos só de Artie. Bernie estava em pé, farejando o ar e, de repente, arregalou os olhos. Demi e Aisni estavam assustadas, escondendo-se atrás de Bernie. Antes que pudessem dizer qualquer coisa, dois cavalos irromperam pela clareira. Artie, com Haryn em seu dorso marrom-avermelhado, e um cavalo completamente negro, que parecia uma noite escura sem estrelas, mas ainda assim brilhava. Mas não era um cavalo comum, ele tinha um único chifre espiralado em sua testa. As meninas o olhavam, admiradas, e Bernie se curvou em uma saudação. Era um unicórnio.